sábado, 7 de março de 2015

Sofá

onde tudo começou...
O sol queima minhas ideias. Ao longe vejo o mar, mas isso
não me conforta. A fome que sinto não importa mais, já que
a imagem daquela mulher insiste em duplicar na minha
mente. As minhas mãos estão atadas, atravancando meus
sonhos.
Continuo só, como um artista apreciando sua obra. Sou
apenas um sofá.
(18 de agosto de 2005)

O abismo

Flutuo como uma pluma
bêbada brindando o acaso.
Eu mergulho insano sobre as
mesas fartas do destino.
A esperança cardíaca que
pulsava em minhas tripas
foi roubada pela estupidez
do vento, que brisa inútil
por minha alma estrangulada.
Viajo sem força pela natureza
morta e enterrada sem piedade
em um momento incrédulo
que ostenta um cheiro forte
de escuro pelo meu espaço.
E meus tímpanos explodem
diante de um uivo
mudo e volátil, consumindo
o medo covarde que insiste
em sobreviver.
A viagem agoniza em lágrimas
derradeiras anunciando o fim,
recusando os tristes resquícios
do pouco que restou de mim.
E então, tudo se acaba solenemente
num assombroso e deprimente
abismo.

(setembro 2006)

Avenida das ilusões

Para meu pai, José Aldo Gomes Mendes
-E aí? Tá gostando?
Era a pergunta que girava pelos
corredores de sua existência.
Era em seu pensamento que se
remendavam os restilhos de areia,
todos esquecidos nos lamentos
firmes dos calcanhares.
Andava guiado por rastros pontilhados
na raiz de cada memória.
Pois dançou e cantou e sofreu.
E lutou, gargalhou e gemeu.
Viveu o que bem podia.
O que não podia também amou.
Irradiava as incertezas nos olhares
de todos ao redor e assim
fincava as flores de sua
angústia numa intensa avenida,
regada pelas lágrimas abandonadas
no caminho,
construída no suor das conquistas
enlouquecidas pelo tempo.
Argumentos recortavam o cansaço
úmido das ilusões.
Paixões se calam rapidamente num
estalar pálido de dedos.
Era a avenida estreitando-se ao
apagar lógico das luzes.
Era a pergunta que girava pelos
corredores de sua existência:
-E aí? Tá gostando?

(janeiro 2008)

O bailado

Melodia voa pássaros meu vento
Pensamento em lira pousa flores
delírios tenros de aço
vão em mim gota a música
estrondo e palavra.

Vales de um bailado vivem a letra.
Amores solfejam o sal da noite.
Almas de bom grado
lágrimas redesenhadas,
sombras esparsas vagando estrelas
estalam um canto
afagam o canto.

Canta desejo em mim pequena música
harmonia e palavra.
(abril 2009)

Criação


na E.M. Capitão de Fragata Didier Barbosa Vianna
Num instante empoeirado,
livros, mesas e motores surdos
apreciam o genioso cantar
do silêncio.
Enquanto isso nascem palavras
vadias de minhas mãos
e inquietos sonhos acontecem nas
esquinas dos dicionários.
Papéis sobrevoam a imaginação
das pedras.
Meus olhos contam impublicáveis
artigos em quintais sonolentos.
Paredes insólitas desejam enfim
degustar paisagens.
Por um lapso, escrevo ternuras
que só o vazio se faz entender.
Acabo de criar um poema tolo
no estômago indizível
daquela tarde.
(março 2010)

Ego et omnia

a Bárbara Barreiros Cruz
Meu maior desafio sou eu.
Sou meus olhos, o outro, meu todo.
O tudo é apenas um grão de mim
do nada que maquia o mundo,
dos infinitos de meu infinito:
o passeio por minha existência.
Sou passageiro dos meus sonhos,
o meu vício coberto de neve.
Seu gelo me convida à sorte
como algo que revela a morte
em pedaços embevecidos de nuvens
coloridos em preto, branco e cinza.
A sombra tão clara me corteja
e de tão completo sou ave e solidão.
Festa, fogo e estranha amplidão
de um razoável pecado de felicidade
que flecha perene por minha existência.
E assim me torno ausente
no meu avesso que nasce em mim,
de um rio que me renova por inteiro
numa importância que flutua breve
pelo fantástico vazio do grande
desafio que sou eu.
(setembro 2006)

Uma outra ausência

Ausência é afastamento,
o não-comparecimento,
é a falta.
A falta que preenche
o vazio,
que completa a lacuna fria
do simples existir.
A ausência é melancolia,
a loucura doce
da mera saudade,
como a tez da inverdade
que se multiplica em
epidemia... É ausência,
presença viva do nada
lembrança pura e ilustrada
no tudo que sinto falta.
Ausência é sentir falta.
A falta que nunca existiu.
(março 2006)